
Nas peladas de rua em São Paulo, quando havia peladas de rua e a bola podia ser feita com a meia furada da irmã da gente, ou então de borracha ou capotão, o perna-de-pau, o ruim de bola, acabava indo para o gol.
Em pelada de rua, gol não tinha traves. Podiam ser dois paralelepípedos, dois montinhos de pedra, um tijolo partido ao meio. O gol às vezes era balizado pelas camisas e blusas dos jogadores, marcando a largura ponderada do arco. Como não havia travessão, o gol terminava por ser uma área espacial teórica, definida por linhas imaginárias, como são o Equador e o Capricórnio.
O espaço ficcional era guardado pelo goleiro, também ele de certa forma produto da ficção do time. Na verdade, a conquista do gol nas peladas de rua obedecia a um consenso entre o goleiro e os demais jogadores. Quantas vezes acontecia de a bola ter entrado, ou merecer ter entrado, mas o testemunho do goleiro, que havia saltado o mais que podia e não conseguira agarrar a bola, determinava a decisão: "Foi alta!"
Avantagem da pelada de rua é que conssentia a realidade da imaginação. Mesmo quando se jogava cinco contra cinco ou oito contra sete, os números são apenas simbólicos. Na cabeça alvoroçada dos guris havia em campo dois times completos de onze. E ainda que invisíveis e impalpáveis, consideravam-se como existentes as traves e a rede. O nome dessa mágica me parece que é infância.
Contudo, nenhuma pelada, por mais desengonçada e mambembe, abria mão dos dois goleiros. Não importava fossem escolhidos por último, quase condenados à posição como restolho da colheita da zaga à ponta esquerda. Eram eles fundamentais para catar as bolas chinfrins ou impossiveis, distribuir o jogo, cuspir nas mãos quando o adversário batia falta e dar sua sentença final sobre a exata dimensão do gol. Na realidade os goleiro é que definiam a diferença entre pelada e bate-bola.
Lourenço Diaféria