quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Aos Goleiros


Nas peladas de rua em São Paulo, quando havia peladas de rua e a bola podia ser feita com a meia furada da irmã da gente, ou então de borracha ou capotão, o perna-de-pau, o ruim de bola, acabava indo para o gol.

Em pelada de rua, gol não tinha traves. Podiam ser dois paralelepípedos, dois montinhos de pedra, um tijolo partido ao meio. O gol às vezes era balizado pelas camisas e blusas dos jogadores, marcando a largura ponderada do arco. Como não havia travessão, o gol terminava por ser uma área espacial teórica, definida por linhas imaginárias, como são o Equador e o Capricórnio.

O espaço ficcional era guardado pelo goleiro, também ele de certa forma produto da ficção do time. Na verdade, a conquista do gol nas peladas de rua obedecia a um consenso entre o goleiro e os demais jogadores. Quantas vezes acontecia de a bola ter entrado, ou merecer ter entrado, mas o testemunho do goleiro, que havia saltado o mais que podia e não conseguira agarrar a bola, determinava a decisão: "Foi alta!"

Avantagem da pelada de rua é que conssentia a realidade da imaginação. Mesmo quando se jogava cinco contra cinco ou oito contra sete, os números são apenas simbólicos. Na cabeça alvoroçada dos guris havia em campo dois times completos de onze. E ainda que invisíveis e impalpáveis, consideravam-se como existentes as traves e a rede. O nome dessa mágica me parece que é infância.

Contudo, nenhuma pelada, por mais desengonçada e mambembe, abria mão dos dois goleiros. Não importava fossem escolhidos por último, quase condenados à posição como restolho da colheita da zaga à ponta esquerda. Eram eles fundamentais para catar as bolas chinfrins ou impossiveis, distribuir o jogo, cuspir nas mãos quando o adversário batia falta e dar sua sentença final sobre a exata dimensão do gol. Na realidade os goleiro é que definiam a diferença entre pelada e bate-bola.


Lourenço Diaféria

7 comentários:

Metal disse...

Po cara bem bacana!!!! seu blog ta bem legal!!! abraços!!!

Moika disse...

Gostei bastante do texto,até porque passei todo minha época de colégio no gol!!!

Parabéns pelo blog!!!!



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http://blogdomoika.blogspot.com/

M. disse...

Você esqueceu do demarcador de gol mais comum: o velho chinelo, raider ou havaiana!

Confesso que quando eu era pequena não compreendia algumas "injustiças" do futebol, como essa. Para mim, o gol tinha que ter exatamente o mesmo tamanho, para ser justo, até mesmo nas peladas. E nos jogos de verdade, achava um absurdo cobrarem um lateral dois ou três metros à frente de onde a bola realmente tinha saído. Também achava o cúmulo uma única pessoa decidir o que era falta ou não. Depois aprendi o que era juiz ladrão.

beijos!

Juliana Lourenço disse...

Infância... ainda bem que fomos felizardos em curtis uma infância de verdade!!!!! Hoje em dia não existe muito disso!

www.jlouthings.blogspot.com

Anônimo disse...

Nossa pelada na rua ta ai algo que sinto falta e que era otimo, acho que tudo o que voce escreveu tambem mostra como perdemos a seguranca e liberdade na nossa vida e um exemplo é o goleiro que pode pular e fazer o que quiser com a sua propria seguranca.Alias parabens pela foto, otimo exemplo de goleiro!

Isabela disse...

Ah, Charles, muuito obrigada por colocar o GiiBlog ali. ;D

Johnny M. disse...

Essas peladas de rua são coisas de antigamente, não tendo mais espaço hoje em dia.
E obrigado pela lembrança, pela preferência, por ter dado esse destaque ao Cão Chupando Manga.
Valeu mesmo.